|Crítica| 'A Noite das Bruxas' (2023) - Dir. Kenneth Branagh
Crítica por Victor Russo.
'A Noite das Bruxas' / 20th Century Studios
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A hiperestilização que faz cada plano gritar ao público por atenção nem sempre se reflete na personalidade desejada por Kenneth Branagh, em seu universo apaixonado
De todos os universos e multiversos que dominam Hollywood há muitos anos, poucos encontram um olhar tão apaixonado de seu diretor-criador quanto o “Branaghverso” (acredito que esse termo não exista), dedicado a adaptar as obras da rainha do mistério Agatha Christie. Em certa medida, essa série de filmes, que começou com “O Assassinato no Expresso Oriente”, soa meio deslocada do que os grandes vêm fazendo nos últimos anos, não só por adaptarem um gênero que estava praticamente morto (ganhou uma sobrevida recentemente, sobretudo por conta desses filmes e “Entre Facas e Segredos”), mas principalmente por fazê-lo com total liberdade criativa (ou algo próximo disso) e um custo que se aproxima do médio orçamento (os três filmes juntos custaram 210 milhões de dólares, valor mais baixo do que um filme de super-herói atualmente), cada vez mais raro em uma Hollywood que segue a lógica ou do filme caríssimo e com muito investimento em marketing para gerar retorno, ou do baixo orçamento (quase sempre obras de terror), que tem lucro muitas vezes maior do que os gastos de produção e divulgação.
Ao mesmo tempo, Branagh parece extremamente confortável na posição em que se colocou, não só como diretor, mas também vivendo o protagonista Hercules Poirot, com todos os maneirismos típicos do personagem. É bem verdade que tal escolha, assim como toda a estética dos longas fazem o ego do seu cineasta ficar bastante evidente, ainda que aqui isso não seja exatamente um problema, já que muito mais do que fetichismo, o que os longas exalam é uma paixão do cineasta pelo universo e, principalmente, pelos livros de Christie. É como se as histórias whodunit da escritora, com todos exageros e luxo, fossem o palco perfeito para Branagh retomar todo o apreço pela hiperestilização, a base fundadora de sua carreira com adaptações shakespearianas e um Frankenstein no currículo. Em uma indústria que controla os seus diretores e retiram qualquer visão criativa deles, em prol de uma máquina de repetições, tratando filmes como produtos, é até gostoso ver alguém como Branagh tendo espaço em um grande estúdio.
Entretanto, posicionar “A Noite das Bruxas” e seus predecessores como anti-sistema ou como se não fosse parte da indústria também seria bastante ingenuidade. Por mais que Branagh pareça ter total liberdade para criar o seu universo, é bem verdade que esses três filmes já demonstram uma certa padronização, que pode não ser o blockbuster super caro e industrializado, mas que, ainda assim, seguem bastante a lógica do cinema hollywoodiano desde os primórdios, a ideia de um olhar para o real com um pouco mais de glamour. Entretanto, também não quer dizer que por fazer parte da lógica dominante os filmes são ruins ou sem personalidade, já que se isso ocorre, é mais resultado das escolhas de Branagh do que desse posicionamento em um grande estúdio.
Como um cineasta com amplo domínio da técnica cinematográfica e capaz de criar enquadramentos e movimentos de câmera que muitos não conseguiriam, Branagh acaba por esvaziar o seu exagero ao transformar tais escolhas em apenas um adereço de beleza visual, o qual quase nunca é realmente efetivo dramaticamente. Sim, o jogo chiaroscuro, com a exploração de grandes espaços em foco pelo uso da grande-angular até funcionam para dar a dimensão daquele lugar sombrio, reforçado pelo trabalho de som que ressalta vozes e canções distantes, muito efetivas em um filme centralizado em um personagem descrente que começa a cogitar a existência de espíritos.
Porém, esse destaque para a estética, chamando atenção para cada plano torto ou close em grande-angular (gera a distorção do personagem e de parte do espaço), assim como os constantes movimentos nada sutis, pouco funcionam para criar uma encenação que insira o espectador na trama. Ainda mais em se tratando de um filme de mistério, gênero que deixa pistas para todos os lados a fim de colocar o espectador na posição de detetive junto ao protagonista, Branagh pouco se usa dessa profundidade de campo ou movimentos para gerar novas informações, verdadeiras ou falsas. Pelo contrário, quando algo soa muito relevante, ele faz questão de destacar o objeto em plano-detalhe ou reforçar ainda mais com um personagem pronunciando uma opinião ou desconfiança sobre aquilo.
Como resultado disso, o momento mais aguardado do whodunit, quando o detetive reúne todos para dizer quem é o assassino e como ele chegou àquela conclusão, acaba por ser aqui o que há de mais sem graça no filme, apenas uma série de planos em preto e branco com Poirot explicando eventos significativos que nem sequer haviam sido apresentados. Assim, “A Noite das Bruxas” pode até se diferenciar um pouco dos anteriores ao jogar um pouco com o cinema de horror e construir uma fotografia mais sombria e ainda mais hiperestilizada, mas, na prática, a encenação é muito menos efetiva do que toda a pompa de Branagh sugere.