|Crítica| 'Estranha Forma de Vida' (2023) - Dir. Pedro Almodóvar
Crítica por Victor Russo.
'Estranha Forma de Vida' / MUBI & O2 Play
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Pedro Almodóvar olha para o faroeste clássico, mas visto sob o desejo masculino, fazendo os grandes planos abertos serem diminuídos frente ao plano-detalhe de partes do corpo, olhares e gestos
Desde antes da estreia no Festival de Cannes, “Estranha Forma de Vida” chamava atenção, não só por ser um curta-metragem do Almodóvar, que reunia Ethan Hawke e Pedro Pascal, no primeiro faroeste do diretor, um western queer ainda por cima, mas também por ser a primeira produção cinematográfica da gigante marca de roupas de grife Saint Laurent. Mais do que isso, a curiosidade aumentava por saber que se tratava de um projeto encomendado, teoricamente distante do tipo de projeto que um cineasta tão autoral como o espanhol estaria acostumado a embarcar. Na prática, por mais que o figurino chame a atenção (como sempre ocorreu nas obras do diretor), o curta comprado pela Mubi no Brasil pode não ser uma das melhores obras do cineasta, mas definitivamente é um filme do Espanhol com toda a liberdade que ele costuma fazer.
Por mais que seja o primeiro filme do cineasta que não se passa na contemporaneidade, de um gênero tão específico e em baixa nos últimos anos, Almodóvar não poderia se sentir mais à vontade ao fazer o desejo masculino dominar a tela durante os pouco mais de 30 minutos de projeção. Não que haja aqui uma grande subversão do gênero, como Kelly Reichardt, The Bullitts e Jane Campion fizeram recentemente. Mesmo a ideia do faroeste focado no romance entre os cowboys está longe de ser novidade, “Ataque Dos Cães” e “O Segredo de Brokeback Mountain” são dois exemplos que o fazem questionando muito mais os códigos tradicionais do gênero, como o não uso de armas no primeiro. Assim, como de costume, um dos mestres do melodrama e do cinema queer das últimas décadas, a mística do faroeste surge aqui muito mais como esse cenário mágico e perigoso, algo parecido com que ele fez por diversas vezes com o suspense hitchcockiano.
Almodóvar então se situa no classicismo de John Ford e Howard Hawks, distanciando-se de Sergio Leone e do Spaghetti, mesmo que o filme tenha sido rodado na europa. E, por mais que a sexualidade dos personagens seja uma subversão ao clássico, eles agem da forma como estamos acostumados desde sempre no gênero. Pedro Pascal faz o cowboy cansado que deseja construir o seu rancho e sossegar da vida cheia de ação e tiros. Já Ethan Hawke é o xerife, também mais velho e cansado, mas dominado por um senso de justiça. Além disso, o passado, como é comum nos western, sobretudo os revisionistas, mas não só neles (é só ver os filmes do John Wayne nas décadas finais de carreira), assombra os personagens de alguma forma. E por mais que esse passado traga essa lembrança da verdadeira sexualidade e do amor vivido por eles, isso não muda o fato dos personagens agirem como os cowboys clássicos, dominados pela violência daquele mundo.
Com isso, a maior subversão e a verdadeira essência do filme surge quando esses personagens são colocados entre quatro paredes. O desejo toma conta, historicamente ignorado no faroeste, sobretudo porque os relacionamentos eram sempre heterossexuais, ainda mais sob a sombra do Código Hays, e as personagens femininas eram sempre secundárias, esquecidas ou meras escadas sem vozes para os personagens masculinos. É verdade que o tesão entre pessoas do mesmo sexo está longe de ser uma novidade na carreira de Almodóvar, é até uma das grandes marcas do diretor. Por isso, mais do que a química raivosa entre os opostos personagens de Pascal e Hawke e suas conflitantes missões, o que chama atenção é como ao trazer o desejo sexual para primeiro plano, o cineasta está jogando estética e essencialmente com o clássico, alterando-o ao seu bel-prazer. Se em Ford os grandes planos desérticos eram parte integral da mística daquela vastidão do oeste, em “Estranha Forma de Vida”, Almodóvar doma a imensidão, diminuindo-a frente ao seu verdadeiro interesse, os planos fechados, o detalhe em olhares (não como os estilizados de Leone) se cruzando e dizendo tudo, nos toques ou mesmo em uma bunda exposta.