|Crítica| 'Nosso Amigo Extraordinário' (2023) - Dir. Marc Turtletaub
Crítica por Raissa Ferreira.
'Nosso Amigo Extraordinário' / Synapse Distribution
|
Comédia dramática de Marc Turtletaub abraça sua própria simplicidade em uma simpática trama sobre a solidão na terceira idade e a compaixão da escuta
Marc Turtletaub não é tão conhecido por seu trabalho na direção, com esse sendo seu terceiro longa, mas tem uma vasta carreira como produtor com filmes de sucesso e muitos que, de alguma forma, conversam com a proposta de “Nosso Amigo Extraordinário”. Obras que usam o melodrama para nos aproximar do drama dos personagens, criar empatia, com um sentimentalismo que em alguns funciona e em outros nem tanto. Fato é que aqui, Turtletaub aproveita a simplicidade de sua trama para focar nos sentimentos que atravessam seus personagens e para não se importar em justificar ou racionalizar sua fantasia. Ainda que siga muitas fórmulas que tornam sua narrativa bastante previsível, o que é realmente importante é a relação estabelecida entre aquelas pessoas e o extraterrestre, não prejudicando tanto o resultado que tudo aquilo percorra um caminho óbvio. A presença de elementos fantasiosos naquele cotidiano pacato e realista, sempre parece que vai pender para uma comédia fora de tom típica da sessão da tarde, Turtletaub parece andar numa corda bamba, mas sempre acha maneiras de manter o equilíbrio que sustenta o filme nesse drama bastante simples, mas muitíssimo simpático. Os closes em Milton, bem como a boa atuação de Ben Kingsley, são poderosos em construir a empatia necessária para o longa engatar, assim, as adições graduais de conexões (humanas ou não) formam uma boa condução de uma obra consistente e que entende que não precisa ser complexa para ser eficiente.
"Nosso Amigo Extraordinário” muitas vezes lembra narrativas do fim dos anos 80 e da década de 90, dos filmes com ficção científica mas também daqueles clássicos que usavam animais como um ponto de conexão e empatia com os problemas humanos. Normalmente, essas obras focavam nas crianças, e a ligação mais óbvia aqui é com “E.T: O Extraterrestre” até pela frase repetida algumas vezes por Milton sobre o slogan da cidade. Mas Turtletaub não pretende de forma alguma focar seu filme em uma perseguição do governo e da polícia, ou na exploração dos humanos com o extraterrestre, as passagens que incluem essas ideias são breves, fracas e desinteressantes, servindo apenas ao propósito de dar ritmo à jornada de Jules, pontuando sua partida. No início nem há a necessidade, para Milton, de esconder seu visitante, já que há uma forte descrença do mundo em tudo que aquele homem velho tem a dizer. Assim a fantasia do OVNI no quintal se constrói como algo muito normal para aquele senhor e totalmente impossível para os demais, é um artifício justamente para enxergarmos o isolamento desse homem. A ideia de que alguém realmente conseguirá capturar Jules se torna cada vez mais fraca ao longo do filme pois tudo se foca muito no que acontece naquele pequeno mundo criado na sala de Milton, onde as pessoas solitárias encontram um lugar de escuta.
Não usar CGI na caracterização de Jules foi uma escolha técnica acertada quando pensamos na humanização que é proposta para o ET, a qual demandaria efeitos especiais muito bem feitos para chegar no mesmo resultado, correndo o risco de nunca chegar a depender do orçamento, tempo de produção e afins. Aqui, o rosto é basicamente humano e inofensivo, usando muita maquiagem para criar essa pele e corpo, mas se valendo de uma estrutura básica de uma pessoa pequena. Assim, os olhos, que são elementos fundamentais para se construir empatia e conexão com um personagem, podem ser comparados com o de um animal indefeso, sempre muito pretos e brilhantes, mas com uma clara compreensão que apenas uma pessoa poderia transmitir. Com muitas próteses, a dublê Jade Quon dá vida a esse muito simpático visitante de outro planeta que não diz nada com palavras, mas muito com seus gestos, olhares e silêncios. Isso porque Turtletaub aproveita mais uma vez a simplicidade de sua obra, da premissa de que os idosos são descartados pela sociedade, esquecidos por seus familiares e solitários em suas vidas, portanto, o mais básico aqui, colocar uma pessoa para falar ao lado de um ser que apenas ouve, cria momentos preciosos de interação. Mesmo sem sabermos se Jules compreende o que é dito, a atenção é dada pelo jogo de câmeras e por seu rosto, que transmite a escuta. É o mais trivial do ser humano, precisamos de contato, precisamos conversar, desabafar, nos sentir ouvidos e vistos, e é exatamente isso que Jules dá a esse pequeno grupo que ao se unir para ter com quem conversar, encontra um lugar de acolhimento.
Mesmo que outros assuntos passem, como a polícia que procura a nave de Jules, a iminente doença de Milton, os problemas com os filhos dele e de Sandy (Harriet Sansom Harris), a narrativa nunca pretende se aprofundar em nada além dessas relações de compaixão e empatia do presente. Da mesma forma, a fantasia pede um desprendimento pouco visto no cinema atual, porque não há interesse em racionalizar o fato de que vários gatos mortos se tornam combustível para uma nave ou como funcionam os poderes de Jules. Esses detalhes, ou o que pertence ao passado e ao futuro, não cabem nessa história, é a rica troca que ocorre em tela que vale, capaz de emocionar e conectar o espectador pura e simplesmente pelo que chamamos de humanidade, mesmo que ela falte na terra e precisemos pegar emprestada de outros planetas.