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|Crítica| 'Sem Deixar Rastros' (2023) - Dir. Jan P. Matuszynski

|Crítica| 'Sem Deixar Rastros' (2023) - Dir. Jan P. Matuszynski

Crítica por Victor Russo.

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'Sem Deixar Rastros' / Imovision

 

Título Original: Leave No Traces (Polônia)
Ano: 2023
Diretor: Jan P. Matuszynski
Elenco : Tomasz Zietek, Sandra Korzeniak, Jacek Braciak e Agnieszka Grochowska.
Duração: 160 min.
Nota: 3,0/5,0

 

A indignação inicial vai se enfraquecendo quando Jan P. Matuszynski passa a olhar para o mecanismo de forma automatizada 

"Sem Deixar Rastros” é um filme típico baseado em um revoltante caso real e luta por justiça. Aqui, olhamos para a Polônia dos anos 1980, país que vivia sob um regime comunista e hoje é dominado pelo neonazismo. Por mais distantes que possam ser esses regimes, há uma sensação de olhar para o passado para reconhecer um presente que nada melhorou. Por isso, o retrato de Matuszynski ganha força inicialmente (e também um pouco em sua resolução) quando se preocupa com as pessoas vivendo sob o autoritarismo violento. Tal interesse aparece já no plano-sequência inicial, efetivo para nos deixar próximos daqueles personagens, sobretudo de Grzegorz Przemyk, que será brutalmente assassinado poucos minutos depois. A calma com que ele assegura o seu futuro, como um jovem decidido e talentoso, assim como as brincadeiras mais juvenis entre ele e Jurek são aquele tradicional pico de intimidade entre espectador e personagens antes do baque, escolha bastante comum nesse tipo de filme, mas bastante efetiva pela encenação mais livre de Matuszynski.

Ao mesmo tempo, a prisão injusta que vai escalando para agressões covardes por parte dos policiais transformam a decupagem do longa sem mudá-la realmente. A força da sequência está ainda em como o cineasta pouco corta, entende o momento como algo a ser visto pelo espectador, mesmo quando esconde o choque dos golpes pela percepção de Jurek, algo fundamental para o desenrolar da narrativa e quem vai sofrer o golpe posterior ao evento, quem fica vivo para lutar por justiça sem poder sobreviver adequadamente. É ele quem mais se aproxima de um protagonismo individualizado, o que nunca vai ocorrer realmente.

Então, por mais que a individualização do problema, muito comum no cinema hollywoodiano, não ocorra realmente aqui e nem precise acontecer, todo o evento vai perdendo a força pela falta de foco narrativo. Matuszynski sente uma necessidade de criticar esse mecanismo político maior, mas não o faz apenas por aqueles que buscam justiça, como é sugerido inicialmente. O longa vai dissipando o seu impacto dramático junto a sua encenação, que abandona a proximidade do plano-longo em detrimento de uma montagem mais tradicional. Não teria como ser muito diferente, já que o diretor se desloca por dezenas de personagens, dos pais de Jurek e um flerte com o passado do pai, passando por cada integrante do governo e do judiciário, jornalistas e outros membros do estado/promotoria que buscam fazer o certo e por aí vai.

Porém, tal abordagem diminui gradualmente a dor de Jurek e Barbara (mãe de Grzegorz), assim como o senso de justiça das pessoas. O foco de Matuszynski contradiz os minutos iniciais e passa a se voltar quase que exclusivamente para o mecanismo. O brilho do longa se vai, restam apenas quase duas horas burocráticas, sem emoção, uma espécie de aula de geopolítica que pouco explora o potencial dramático da linguagem cinematográfica. E o filme só retoma, em parte, a sua força, quando, nos minutos finais, volta a olhar mais de perto para quem sofre aquela injustiça, mas sem o mesmo ímpeto inicial.

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