|Crítica| 'As Tartarugas Ninja: Caos Mutante' (2023) - Dir. Jeff Rowe
Crítica por Victor Russo.
'As Tartarugas Ninja: Caos Mutante' / Paramount Pictures
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“As Tartarugas Ninjas: Caos Mutante” dá sequência a uma tendência meio anti-Disney/Pixar a fim de testar novos traços e combinações, mas tem dificuldade de integrar a estética a sua simplória história de origem e conciliação
"Homem-Aranha Através do Aranhaverso” (Sony), “Nimona” (Netflix), “Gato de Botas 2: O Último Pedido (Dreamworks/Universal), “Pinóquio” (Netflix), “Os Caras Malvados” (Dreamworks/Universal), “Apollo 10 e Meio” (Netflix) e agora “As Tartarugas Ninja: Caos Mutante” (Paramount). Podem não ser muito numerosas, mas aos poucos, talvez desde o sucesso comercial de “Homem-Aranha no Aranhaverso”, os grandes estúdios hollywoodianos começaram a se abrir mais (e abrir os cofres) para animações que fujam da estética padrão das últimas décadas. Claro que não estou olhando tanto aqui para estúdios de animação ao redor do mundo ou produtoras menores nos EUA, em que técnicas como o 2D ou o stop-motion sempre foram bastante recorrentes.
É importante perceber tal alteração na lógica comercialmente dominante, aquela que padroniza o estilo, e, consequentemente, o gosto da maioria do público ao redor do mundo. Interessante também é ver como tal mudança acompanha não só um sucesso de bilheteria de um filme de super-herói (lógica dominante), mas com uma estética até bastante inovadora, mas também a saturação e queda na qualidade de produção de quem controlou o mercado por quase três décadas: Pixar/Disney (por mais que a Disney seja dona da Pixar, elas são bastante independentes). Em grande medida, como a animação sempre é vista como secundária para os grandes estúdios, era uma consequência natural que ela acompanhasse a tendência das obras live-action. Em tempos de cinema obcecado pela lógica e por um suposto realismo visual (ou, para alguns, pós-realismo), o 3D e seu desenvolvimento gráfico a fim de transformar a computação gráfica no mais próximo possível da realidade, criando quase um apagamento da animação, era esperado e não conflita nem arrisca em relação ao que os estúdios ensinaram o público a gostar.
Nada contra o 3D ou a animação realista, longe disso, mas não deixa de ser um alívio perceber que, como essa técnica, outras ainda têm espaço no mercado, seja resgatando o seu lugar ou conquistado-o agora (não acredito que nenhum desses filmes sejam inovadores, mas a combinação de diferentes técnicas têm gerado resultados interessantíssimos). Nesse sentido, ver a Netflix, toda poderosa e que dá espaço para diretores conhecidos, apostando na rotoscopia de Richard Linklater ou no stop-motion de Guillermo Del Toro não é tão surpreendente, apesar de muito bem-vindo. Porém, a consagrada Dreamworks, que costumeiramente seguia a tendência Disney/Pixar, renovando-se ou enxergar em grandes estúdios, como Sony e Paramount, uma preocupação, ainda que numerosamente pequena, de testar algo para além do padrão é bastante instigante.
Nesse sentido, “As Tartarugas Ninja”, a primeira produção das populares figuras da cultura pop em quase uma década, pouco deve para as demais citadas aqui se isolarmos a estética do todo. Sobretudo nas sequências de ação, quando vemos essa energia jovem do longa (os personagens aqui são pré-adolescentes) em diferentes traços 2D, do mais clássico ao mais espalhafatosamente contemporâneo, 3D e até contornos de stop-motion, é um deleite para os fãs dos personagens e da animação. É quando o filme vai além da beleza estética pura e simples, e consegue integrar esse olhar artístico à unidade narrativa.
O problema é que, diferente dos “Homem-Aranha”, de “Nimona” ou do “Gato de Botas 2”, por exemplo, o longa de Jeff Rowe tem muita dificuldade em manter uma unidade durante toda a projeção. Ou seja, cria-se muitas vezes quase uma dissociação entre forma e conteúdo, fazendo com que a estética pouco reflita naquilo que o filme deseja falar sobre. Em parte, isso é resultado de uma simplicidade da história, que aceita esse caráter de início de franquia, a tradicional trama de origem, mais preocupada em estabelecer os personagens e criar uma base para futuras sequências. Mas também é consequência de uma preocupação exacerbada com as temáticas, em muitos momentos, criando um discurso para lá de contraditório.
Por um lado, o filme fala sobre aceitação, nesse sentido, criando uma dinâmica interessante entre o divertido de ser um vigilante superpoderoso (refletido nas ótimas sequências de ação das tartarugas pegando os chefões do crime), que tem muito a ver com essa pobre visão do super-herói atualmente, ao mesmo tempo que isso é rompido para o entendimento do peso do heroísmo, visão muitas vezes esquecida nos longas recentes do gênero. Por outro, ele não tem coragem de realmente ir a fundo nesse discurso, e prefere o caminho mais conveniente ao capitalismo: a suposta conciliação. Ou seja, a sociedade tem muita gente boa para ser destruída, precisamos aprender a conviver com o diferente. Em teoria, é até bonitinho. Na prática, ao fazê-lo, vilaniza o personagem que foi produto de experiências humanas em laboratório e chuta para longe essa espécie de revolução dos bichos. Pode parecer sutil, mas não é tanto. Quando o filme esquece da estética e se volta para o conteúdo de forma mais básica é com a finalidade de rejeitar qualquer mudança maior e aceitar o capitalismo como uma forma correta de se viver. Em certo sentido, isso lembra bastante a frustrante e contraditória resolução de Barbie. No fim do dia, o discurso dominante é sempre o de manter tudo praticamente como já está.