|Crítica| 'Disco Boy: Choque Entre Mundos' (2023) - Dir. Giacomo Abbruzzese
Crítica por Victor Russo.
'Disco Boy: Choque Entre Mundos' / Pandora Filmes
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Giacomo Abbruzzese confunde fascínio com exotismo em seu olhar europeu para a África
"Disco Boy” abre com negros se pintando, enquanto a bela e estilizada fotografia de Hélène Louvart realça essa ação com uma poesia luminosa, cheia de cores neon que despertam a escuridão do local. Porém, a história do homem (Mutamba Kalonji) que tenta libertar o delta do Níger criando uma milícia local, mas que tem o sonho de dançar, ou da mulher (Laetitia Ky) que vai à França, enquanto trabalha fazendo uma dança performática em uma boate, demoram a retornar e quando voltam pouco são desenvolvidas. Nesse meio tempo, somos levados pela jornada de um bielorrusso (Franz Rogowski) que também entra de forma irregular na França, antes de virar um legionário e ser mandado para combater exatamente esse grupo paramilitar em território nigeriano.
Tal abordagem não é por acaso, já que o italiano Abbruzzese transforma o seu desconhecimento da cultura nigeriana em uma espécie de fascínio. Entretanto, tal olhar não é simplesmente uma valorização dessa cultura, longe disso. O cineasta mal se importa em diferenciar esse país e suas particularidades do restante da África, muito pelo contrário, o fato do conflito se passar no Delta do Níger, local bastante explorado pelas grandes potências imperialistas por conta do petróleo, pouco importa. Isso porque, assim como o protagonista não conhece o local de combate e posteriormente vai ficar obcecado pela mulher negra dançando, o diretor olha para esses africanos não como pessoas, e, sim, como seres exóticos. Ele pouco se preocupa em desenvolver esses personagens, seus pensamentos e personalidades. Eles são apenas essas figuras que se pintam e dançam, mas não têm muita personalidade.
O problema é que Abbruzzese parece nem se dar conta desse olhar preconceituoso. Em muitos sentidos, “Disco Boy” se aproxima bastante daquela Hollywood dos anos 40 e 50, das grandes produções para retratar outras culturas, sobretudo africanas e asiáticas, sob a sua ótica distanciada e racista. Talvez o que diferencie e diminua a culpa do cineasta italiano em relação àquilo que o cinema americano fez aos montes por décadas seja a ingenuidade dele. Aqui não há uma visão mercadológica do “diferente”, genuinamente Abbruzzese parece acreditar que tal retrato está exaltando esses negros. Só que na prática a intenção desqualifica esses personagens como seres humanos, o que fica ainda mais bizarro quando o diretor tenta sugerir um discurso de “somos todos iguais”, que é absurdo por si só e se torna ainda mais ridículo pela forma como um cineasta italiano narra isso a partir de uma visão completamente europeia.
Claro que para além dessa problema temático, Abbruzzese consegue estabelecer uma visão bastante própria, sobretudo pela já citada fotografia de Louvart. É a partir dela que o filme dá o seu tom contemplativo, encontra as cores que já remetem desde antes à pista de dança, o escuro que esconde o conflito e principalmente a sequência pela visão de calor. Porém, tal estética não é dissociável desse conteúdo, pelo contrário, ela carrega esses valores, já que é, por exemplo, a partir dessa visão de calor que o filme sugere o discurso de que todos são iguais, a partir de um artifício que esconde a cor de cada um e transforma todos no vermelho da temperatura corporal. É também essa visão mais contemplativa, quase poética, que ressalta essa mulher dançando diferente dos europeus, mais uma vez a tratando como um ser exótico, quase descolado da realidade. E é ainda o uso de tais enquadramentos e cores que vão unir os dois discursos, ao sugerir uma fusão quase espiritual entre o protagonista e o negro, como se a culpa desse fizesse o seu corpo ser tomado pelo líder do grupo paramilitar assassinado. No fim, “Disco Boy” é mais uma prova de que a boa intenção de um cineasta nem sempre se reflete em seu discurso cinematográfico.