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|Crítica| 'Capitu e o Capítulo' (2023) - Dir. Júlio Bressane

|Crítica| 'Capitu e o Capítulo' (2023) - Dir. Júlio Bressane

Crítica por Victor Russo.

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'Capitu e o Capítulo' / Pandora Filmes

 

Título Original: Capitu e o Capítulo (Brasil)
Ano: 2023
Diretor:  Júlio Bressane
Elenco : Mariana Ximenes, Vladimir Brichta, Enrique Diaz, Djin Sganzerla e Josie Antello.
Duração: 75 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Júlio Bressane faz da imagem uma construção histórica da memória e da arte

"Capitu e o Capítulo” surge como mais uma representação audiovisual de “Dom Casmurro”, livro de Machado de Assis e um dos grandes clássicos da literatura brasileira. Mas de “mais uma” apenas o longa de Bressane não tem nada. Apesar de trazer elementos presentes no livro (claro!), como os olhos de ressaca, a dúvida sobre a possível traição de Capitu e a história sendo narrada a partir desse olhar para o passado, o cineasta não se resume à adaptação literal da obra (se é que isso é realmente possível). Mais do que a história em si, o diretor parece interessado em ampliar a obra a partir do seu olhar, um jogo imagético que vai passar por outras artes e formas quase esquecidas de se fazer cinema. 

Claro que a descontinuidade espaço-temporal e o choque de imagens não é uma novidade na carreira de Bressane. Mas, se pegarmos o primeiro elemento do livro citado aqui, os “olhos de ressaca”, como exemplo, veremos algo que vai além do jogo habitual do diretor, é quase um olhar para a montagem eisensteiniana. Porém, aqui não há um jogo entre imagens por meio da montagem não diegética a fim de necessariamente gerar uma consciência crítica no espectador. Ou seja, se Eisenstein, por exemplo, saía do povo sendo massacrado para um abate de animal a fim de criar uma relação entre as duas de teor político, esse choque por associação que denunciava o czarismo russo contra a revolução dos trabalhadores, Bressane corta dos olhos expressivos de Mariana Ximenes para a ressaca do mar com um fim mais inocente, quase uma brincadeira ao criar literalidade no que antes era figurativo.

De certa forma, é como se esse olhar para o passado de Casmurro não fosse só a fragmentação da memória, a capacidade da linguagem audiovisual de descontinuar a lembrança de forma semelhante ao que ocorre na nossa mente, mas uma viagem pela possibilidade da linguagem cinematográfica de representar outras áreas. Casmurro vira, então, uma espécie de canal para Bressane, um escritor que escreve com imagens. Luz e sombra viram sua caneta, enquanto o cineasta flerta com a linguagem não só literária, mas teatral (sobretudo na mise en scéne de lugares fechados e interpretações expansivas, quase gritadas), com a música e a dança (aqui literalmente, mas nem tanto, já que eles dançam sem uma música de fundo, sendo o sonoro construído a partir dos pés tocando o chão), com a pintura presente nos cenários (desde a cena inicial, o perfil riscado de carvão) e com a poesia, a partir de um fluxo de imagens desconexas que nem sempre buscam gerar um sentido mais definido (como acontece com os já citados olhos de ressaca).

Em certo sentido, Bressane estará ampliando “Dom Casmurro” para o cinema não só por filmá-lo, mas por justamente fazer esse filme sobre o fazer cinema. “Capitu e o Capítulo” é um ensaio sobre o fazer e sobre a história dessa arte que “chegou por último” e muito aprendeu com as outras antes de tomar o seu próprio rumo e solidificar sua própria linguagem. Por isso, não é à toa que não só a imagem seja um ponto determinante da obra, mas o seu fluxo, ou seja, a decupagem e a montagem, talvez os elementos que mais tornem o cinema uma arte única. 

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