|Crítica| 'Luz nos Trópicos' (2023) - Dir. Paula Gaitán
Crítica por Victor Russo.
'Luz nos Trópicos' / Descoloniza Filmes
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“Luz nos Trópicos” é uma odisseia filosófica sobre o homem inserido, se relacionando e transformando o espaço, mas nunca deixa as belas imagens afastarem o espectador. O ser humano se apequena na imensidão da paisagem, só que permanece presente
O longa abre com um personagem que ainda não conhecemos envolto em branco. Em meio à neve e ao frio, vemos parte do gelo derretido caminhar com a água que corre por baixo. Em seguida, ao chegar a uma aldeia indígena, o que o coloca em contato com suas origens, ao mesmo tempo que é um estranho no local, vemos esse contraste se dar também em como os povos originários vivem e se conectam com a tecnologia do rapaz. Então, o longa dá um salto para o passado. Ou pelo menos nos leva a crer que aquilo é o passado, já que não há uma marcação clara de tempo, fundamental para perceber que essa odisseia sobre o homem no espaço vai coexistir nos diversos tempos e locais do globo, tendo o personagem de Carloto Cotta como o fio que une todos esses momentos.
Tal transição muda a dinâmica do filme, mas não o tema. Se na sequência inicial há uma estética e narrativa que flerta com o documentário, o que vem em seguida nos joga de vez na ficção. Entretanto, é interessante perceber (e o longa vai funcionar justamente por conta disso) como mesmo essa maior clareza de que aquilo é uma ficção não nos impede de vermos aqueles atores-personagens realmente em contato com a natureza. Em algum sentido, essa visão de um documentário poético nunca abandona completamente o filme. E se tal passagem nos recorda de filmes como “Z - A Cidade Perdida”, “O Abraço da Serpente” e algumas obras de Werner Herzog, é porque tais filmes também buscam uma conexão mais próxima do ser humano por trás do personagem com a floresta que o cerca.
Esse olhar de Gaitán para as Américas sem uma definição tão clara de tempo e espaço (por exemplo, em qual lugar aqueles colonizadores estavam e quando vieram) nos faz embarcar nessa viagem em que o mais importante é como esse espaço envolve o ser humano e como os homens vão controlar e ser controlados por ele. Não à toa, vamos ver constantemente a água, seja de rios, mares ou geleiras, no passado, na selva, no presente, na principal metrópole do mundo. Essa água que corre com a vida, quase sempre presente com movimentos suaves pela câmera da cineasta, sem pressa do amanhã ou do ontem, quase adquirindo uma consciência de que ela estará sempre existindo, independente do seu estado físico.
A natureza então adquire uma aura própria a partir de um olhar complexo de Gaitán. Enquadramentos buscam a beleza da luz natural adentrando o espaço, gerando, por exemplo, um contra-luz mais lindo do que o outro. Ao mesmo tempo, os ruídos quase sempre vão reforçar essa sensação de tranquilidade. Só que esse mesmo ambiente que parece belo e amistoso, vai ser carregado de perigos para aqueles que ali adentram sem serem convidados. Os personagens enlouquecem, antes de (alguns) encontrarem a beleza que só a natureza pura é capaz de fornecer.
Em certa medida, ainda que o olhar de Gaitán não seja pessimista, mas mais observador (quase imparcial), essa viagem espaço-temporal sem linearidade vai nos levar a contrastar o que foi (natureza intocada), o que permanece quase igual (povos originários, seu ambiente e cultura), o que foi afetado pela ação do homem (gelo derretendo) e o que virou a partir da dominação total do homem sobre o natural (grandes cidades, aqui representadas por Nova York). E, ainda que a cineasta olhe para a mata do passado com maior doçura, o humano que permanece se relacionando com o ambiente nunca é realmente julgado. Por mais que haja um afastamento e uma infelicidade crescente, a água que corre no passado e em que o personagem de Cotta desliza, é a mesma que segue fluindo no presente, abaixo de embarcações diferentes e cercadas por espaços redefinidos.