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|Crítica| 'Oppenheimer' (2023) - Dir. Christopher Nolan

|Crítica| 'Oppenheimer' (2023) - Dir. Christopher Nolan

Crítica por Victor Russo.

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'Oppenheimer' / Universal Pictures

 

Título Original: Oppenheimer (EUA)
Ano: 2023
Diretor: Christopher Nolan
Elenco : Cillian Murphy, Florence Pugh, Matt Damon, Robert Downey Jr., Emily Blunt e Benny Safdie.
Duração: 181 min.
Nota: 2,5/5,0

 

Em seu filme mais morno e mecânico, Christopher Nolan não deixa de se posicionar, mas, mais uma vez, pouco espaço sobra para o público refletir

Conhecido por filmes grandiosos, quando não megalomaníacos, e por investir em conceitos complexos, “Oppenheimer” parece, à primeira vista, um filme estranho na carreira de Nolan. Por mais que se trate de uma cinebiografia do inventor da bomba atômica e traga junto diversos conceitos físicos que o cineasta ama abordar e explicar (quase sempre, até demais), o longa pouco tem da dimensão espacial de suas obras anteriores. Por mais que tenha 3 horas de duração e uma narrativa de épico, a obra se resume quase completamente a diálogos. O tanto que o diretor falou previamente sobre efeitos práticos e ausência de CGI pouco tem relação com o que está em tela, exceto, talvez, pela cena do teste final.

Porém, na prática, o longa carrega a assinatura de seu cineasta, sobretudo em como monta a história de uma forma em que as escolhas temporais não só sejam sentidas, como se tornem evidentes. É justamente essa escolha de bagunçar a cronologia, abandonando a linearidade e cortando constantemente de uma pequena sequência para outra, seja no passado ou no futuro, que dá ao filme uma impressão de novidade em relação às diversas cinebiografias que são feitas todos os anos. Ainda que, no fundo, o filme não fuja tanto da “história de Wikipédia” que domina o gênero. Isso porque, se por um lado tal montagem dá pulsão ao filme, nunca deixando as 3 horas de diálogos ficarem monótonas, além de embaralhar as peças e eventos a fim de criar “descobertas” inesperadas em momentos-chave (como o depoimento de Kitty ou a revelação do plano de Strauss), por outro, a verdadeira intenção de Nolan é simplesmente seguir esses eventos reais de uma maneira bastante mecânica, contentando-se em simplesmente expô-los aos público.

É bem verdade que tal exposição ganha um contorno mais complexo devido ao interesse do cineasta em mostrar a ambiguidade que Oppenheimer representa por si só, a partir do que ele acreditava, o que fez e como sua consciência lidou com isso posteriormente. Nolan em nenhum momento se exime de se posicionar, cria o seu vilão, enquanto defende o seu protagonista em sua crise de consciência, às vezes, de maneira bastante apelativa, como no discurso inflamado seguido por aquela plateia sendo despedaçada como as vítimas da bomba atômica (claro, tudo na psicologia do personagem apenas).

Entretanto, o se posicionar para Nolan acaba se tornando criar uma espécie de única conclusão possível. Mais uma vez, pouco sobra para o público interpretar ou pensar a respeito daquela enxurrada de informações que são dadas durante 180 minutos de plano e contraplano, além de toda a complexidade do protagonista, seus atos e consequências. Nolan de novo se coloca na posição de ser tese, argumentos e conclusão. Se antes questionamos o fato dele colocar um cientista explicando para o outro o que é buraco de minhoca (em “Interestelar”), o que se repete aqui com outros conceitos, em “Oppenheimer”, essa exposição é ainda mais problemática a ponto de tirar a personalidade dos personagens por completo. 

Cillian Murphy precisa se desdobrar para revelar sentimentos, já que até o que o personagem pensa e sente é explicado por diálogos. Assim, o longa nos distancia até do seu principal objeto de interesse. E único, em certa medida, pois tirando um certo olhar vilanesco de Strauss (Robert Downey Jr.) e amistoso de Groves (Matt Damon), o restante não passa dos personagens robóticos funcionais que Nolan tanto costuma utilizar, com destaques negativos para Jean (Florence Pugh) e Kitty (Emily Blunt), tratadas como importantes pela história, só que nada é dado de relevantes para elas. Se outras obras do diretor, como “Amnésia”, “O Grande Truque” e o péssimo “Tenet” secundarizavam o desenvolvimento dos seus protagonistas a fim de focar nas revelações da trama, “Oppenheimer” acaba por fazer o mesmo sem a intenção de realizá-lo. O olhar é para o protagonista, mas pouco desenvolvimento lhe é dado, ele se torna refém dos fatos e temas e nunca realmente se aproxima do espectador. Mais do que a trama, o interesse de Nolan vira os eventos reais dessa vez, enquanto Oppenheimer é um mero passageiro da jornada.

Com isso, não deixa de ser contraditório que, em um filme preocupado em questionar a política armamentista estadunidense e os desdobramentos do uso de cientistas para o desenvolvimento de armas antes vendidas como objetos para conquistar a paz, o único momento que realmente demonstra alguma emoção é o teste bem-sucedido daquela bomba atômica, a qual seria usada semanas depois para tirar a vida de centenas de milhares de inocentes e dar aos Estados Unidos o poder sobre o mundo. O problema é que Nolan não olha para tal momento com questionamento ou ironia macabra. O filme parece vibrar com aquele evento, sua antecipação que faz o tempo parar, o silêncio infinito do ato e o sucesso comemorado por todos, mesmo que não seja essa a intenção do cineasta. Ou talvez ele estivesse mais preocupado em exibir os seus efeitos práticos e não percebeu o discurso gerado a partir de uma sequência que exibe o seu “apuro técnico”. 

No fim, é até bom ver que pela primeira vez em muito tempo o cineasta não despeje o seu ego pela obra, mas isso não diminui os problemas gerados pelos seus vícios quase robóticos. “Oppenheimer” é talvez o primeiro filme morno de Nolan, até odiá-lo é difícil.




 

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