|Crítica| 'Zona de Interesse' (2024) - Dir. Jonathan Glazer
Crítica por Victor Russo.
'The Zone of Interest' / Jonathan Glazer
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Em abordagem pouco usual, Jonathan Glazer tenta responder uma pergunta bastante comum: "Como filmar o nazismo?". A escolha aqui é por espiar o funcionamento dessa máquina, com horror e distanciamento
Apesar de o cinema ser mais de 40 anos mais antigo, ele não esteve no holocausto. Ele até esteve bastante na Guerra, mas não nos campos de concentração e no funcionamento dessa verdadeira máquina de exterminar vidas. Tal tema foi e segue sendo a base de discussões sobre essa arte, até hoje tratada como a mais capaz de reproduzir o real (ainda que esse realismo gere novos questionamentos, teorias e discussões que não cabem aqui nesse texto). A discussão se tornou ainda mais relevante após Jacques Rivette (grande crítico e cineasta), em seu texto sobre “Kapò”, rejeitar duramente os movimentos de câmera que embelezavam o longa, questionando a ética por trás da estética. De lá para cá, tantos foram os filmes, textos e visões sobre o holocausto, nenhum com imagens reais da barbárie, muitos apostando no choque, na crítica direta com uma estética mais crua ou mesmo vários que buscaram um humor satírico ou mesmo o vistoso (uma das discussões por trás de “A Lista de Schindler”, por exemplo).
Se a pergunta permanece em aberto e provavelmente nunca será respondida (há resposta certa?), Glazer é o tipo de diretor que pode agregar a esse debate cinematográfico. Responsável por filmes como “Birth”, “Sexy Beast” e “Sob A Pele”, fica claro que o cineasta nunca teve medo de provocar, dividir e gerar discussões. Talvez por isso, muitos de seus filmes foram rejeitados na época de lançamento e resgatados com mais carinho anos depois. Então, pode ser surpreendente a recepção entusiasmada por quase todos que o assistiram no Festival de Cannes, imediatamente se transformando em um sério concorrente à Palma de Ouro. Isso porque, Glazer vai abordar o Nazismo (e o Holocausto indiretamente) sob uma ótica rara: o terror pela observação distanciada.
Exceto por algumas interrupções que reforçam o desconforto e horror do longa, como as telas vermelhas e os planos subjetivos em negativo (o que sugere até a presença de um monstro ou animal), somos levados a acompanhar a rotina de uma família. A mulher arruma a casa e a transforma no lugar dos sonhos, enquanto o marido comanda o local, sendo do alto escalão do regime Nazista. Glazer rejeita o choque ou a crítica mais direta. Não tem por que mostrar judeus sofrendo e já sabemos o que representou esse regime para a história. A escolha é se distanciar e espiar. Nesse sentido, os enquadramentos reforçam uma noção de câmeras de vigilância, como se estivéssemos observando tudo aquilo sem que ninguém soubesse da nossa presença.
Então, a ambiguidade gera a força. De forma alguma Glazer nos faz sentir empatia por aqueles personagens (óbvio). Ao mesmo tempo, essa distância que poderia nos afastar de qualquer sentimento pelo longa na verdade gera uma sensação oposta. Como poderia um regime funcionar com tamanha tranquilidade e organização, enquanto extermina a vida de tanta gente? O cineasta nunca subestima o espectador, pelo contrário, acredita no conhecimento dele, para que o saber histórico seja o grande causador de horror. Assim, acaba sendo muito mais poderosa essa mostração não julgativa, já que a normalidade como esses procedimentos são tratados vira a maior punição. Qual ser humano conseguiria agir com tanta tranquilidade diante de tal barbárie? Essa pergunta, assim como a “como filmar o holocausto?” também jamais será respondida e é importante que fique assim. Mas Glazer dá um passo importante ao retornar no debate sobre a segunda, ainda que pela ótica da máquina de Guerra e não se jogando nos campos de concentração.