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|Crítica| 'Não! Não Olhe!' (2022) - Dir. Jordan Peele

|Crítica| 'Não! Não Olhe!' (2022) - Dir. Jordan Peele

Crítica por Victor Russo.

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'Não! Não Olhe! / Universal Pictures

 

Título Original: Nope (EUA)
Ano: 2022
Diretor: Jordan Peele
Elenco : Daniel Kaluuya, Keke Palmer, Steven Yeun, Brandon Perea e Michael Wincott.
Duração: 130 min.
Nota: 4,0/5,0
 

Jordan Peele encontra Steven Spielberg em “Não! Não Olhe!”, partindo da homenagem para a subversão, enquanto confronta o espectador e a sociedade

Peele, com toda uma carreira de ator voltada para a comédia, surpreendeu a todo mundo quando estreou na direção, em 2017, com “Corra!”, filme de terror psicológico cheio de críticas sociais e um conhecimento apurado da linguagem cinematográfica. Dois anos depois, ele retornou com “Nós”, mais uma ótima obra que reunia elementos do filme de estreia, mas com uma roupagem nova, mais subjetiva e cheia de simbolismos. Mais três anos se passaram e agora, com “Não! Não Olhe!” o cineasta escala ainda mais esse cinema aberto, sem respostas prontas e que tem os símbolos como arma para um filme que fala sobre o cinema, enquanto rompe com as expectativas do cinema de gênero.

Dessa forma, “Não! Não Olhe!” (título nacional para “Nope”) acaba tendo já nesse título brasileiro um primeiro elemento de subversão à homenagem proposta, algo que surge com o desenvolvimento da narrativa: o “não olhar”. Isso porque Peele demonstra clara inspiração aqui nas obras de Steven Spielberg, não só em “E. T.” e “Contatos Imediatos de Terceiro Grau”, por conta da temática, mas também em “Jurassic Park”, “Tubarão”, entre outros.

Grande parte do cinema de Spielberg está no fascínio dos personagens pelo desconhecido. Seja esse desconhecido um extraterrestre, dinossauros que não demonstram perigo aos protagonistas ou mesmo um tubarão mortal que caça os personagens. O olhar, quase sempre para cima, dos personagens surge como um elemento que interliga os filmes do diretor e demonstra uma mistura de fascínio, medo, deslumbramento e desconhecimento tanto dos personagens quanto de Spielberg para com a fantasia do cinema.

Por isso, Peele inicia “Não! Não Olhe!” de forma semelhante, com personagens desconhecendo o que está no céu e olhando para lá não só com seus olhos, mas também com as lentes de câmeras. Porém, diferente dos personagens e filmes de Spielberg, em que o fascínio toma conta da tela, nos universos de Peele, seus personagens e seus contextos sociais os tornam mais céticos, menos deslumbrados e mais receosos. Eles sabem que tudo pode ser uma possível ameaça. Então, esse olhar inicial já é um olhar de desconfiança.

Consequentemente, isso se transforma em medo e em recusar o olhar à criatura, o que na diegese tem um sentido de sobrevivência, mas ganha um novo contorno se levarmos em consideração a relação com o cinema do Spielberg. O não olhar se transforma em uma espécie de recusa àquele cinema, ao pai do blockbuster e às suas narrativas. É quase como se Peele homenageasse Spielberg, mas o fizesse aos seus moldes, recusando a homenagem pura e simples assim como rejeita o blockbuster e o gênero feito sob encomenda.

Não à toa, Peele flerta mais uma vez com o terror fantástico e os diversos clichês estabelecidos ao longo das décadas. Isso fica claro, por exemplo, na cena do celeiro, em que ameaças parecem surgir no escuro e se aproximarem do protagonista. Mas, sempre que “Não! Não Olhe” sugere se aproximar de um terror mais tradicional, não demora muito para Peele guiá-lo a um outro caminho.

Então, se “Corra!” trazia o choque e os comentários para primeiro plano, mas o fazia sem negar ao espectador explicações, enquanto “Nós” se permitia ser mais metafórico, mas no fim dava ao menos um guia para responder as perguntas centrais, “Não! Não Olhe!” parece ser uma escalada de Peele em direção ao anti-blockbuster pós-moderno. Não há preocupação por explicações nem por adequações ao gênero ou referências puras e simples. A crítica social está presente, mas existe necessitando de uma interpretação do espectador. A narrativa do grupo principal contra a ameaça também está lá, mas o filme se resolve sem dar respostas claras sobre essa trama, o que até deve frustrar grande parte dos espectadores.

Com isso, a preocupação do cineasta se volta para o sensorial, a estranheza criada por meio do olhar ou da recusa, do não entendimento do vilão, da decupagem com planos longos em dolly-in se aproximando dos personagens ou com travellings mais abertos dos personagem andando ou correndo em direção ou fugindo de algo. Ou seja, Peele está preocupado acima de tudo em desenvolver história, temas e símbolos por meio de uma narrativa puramente cinematográfica.

Isso fica ainda mais claro quando o filme comenta sobre o cinema o tempo todo, visualmente, ao tentar filmar o alien ou pelo uso de diversas câmeras na diegese, ou por texto e subtexto, quando chama o ser misterioso de “espectador”, centra os personagens na família de um homem negro que foi o primeiro ator do cinema e, consequentemente, a história esqueceu dele. Assim, o espectador passa a ser confrontado pelos personagens fílmicos. Nós viramos àquela ameaça, aquele ser desconhecido que eles precisam combater. Nós como espectadores e como sociedade. Sociedade essa que vende um sonho, o sonho americano do sucesso por meio do esforço, mas que tenta expulsar aqueles personagens negros de sua casa que foi conquistada com esforço e honestidade. O sonho americano que só vale para os brancos nessa sociedade. 

É nesse ponto que os dois subtextos principais, tanto o filme como um confronto ao espectador, tirando-o da sua zona de conforto voyeur e sendo percebido e combatido por aqueles personagens, quanto o espectador como representação de uma sociedade racista que nega aos negros a concretização de um sonho que os brancos mesmo venderam como ideal. É um filme que tira o espectador da zona de conforto justamente por confrontá-lo o tempo inteiro, mesmo que sem dizer isso explicitamente.

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