|Crítica| 'X - A Marca da Morte' (2022) - Dir. Ti West
Crítica por Victor Russo.
'X - A Marca da Morte' / Playarte Pictures
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“X” faz do olhar e ser olhado o seu objeto de interesse, colocando em confronto o clássico e o moderno. Mas, na ânsia pelas referências ao cinema e pela metalinguagem, acaba por ser um slasher quase anti-slasher
Um grupo de jovens, em uma casa interiorana distante de tudo e com um lago, que começa a ser assassinado, um por vez. Um filme dentro do filme que vira um filme de terror. Uma relação direta entre sexo, conservadorismo, religião e mortes, ou puritanismo x liberdade sexual. A TV como metalinguagem. A câmera encontrada. O aspirante a cineasta que tem apreço pela Nouvelle Vague (ou um suposto “Cinema de Arte”) e rejeita o cinema comercial. Nada em “X” é novo, nem tenta ser.
O novo filme da A24 não esconde nem por um segundo as suas referências ao slasher e ao cinema como um todo. Claro que, nesse sentido, há escolhas mais sutis e interessantes, como a película como forma de referenciar os filmes do período em que o longa se passa e sua diferença estética e de proporção de tela para com a câmera do filme amador dentro do filme. Ou mesmo essa preocupação de confrontar o velho e o novo (temática explícita) que vai ganhar forma na linguagem ao pôr em evidência o cinema moderno superando o cinema clássico, sobretudo no olhar e na relação com o espectador.
Se começamos o longa com um plano que sugere um olhar do público através de uma janela, que remete à lógica do cinema clássico em que o espectador, em uma sala escura, era uma espécie de voyeur daquele universo novo que se abria diante de si, logo aquele plano vai se revelar como uma câmera amadora, uma relação com o cinema moderno e metalinguístico que é a base do found footage. E essa aceitação do cinema moderno sobre o clássico vai aparecer durante todo o longa, em um filme que comenta sobre si desde uma protagonista que quer ser uma estrela de Hollywood até o uso da diegese para estilizar e exagerar o plano, sendo o mais claro o sangue no farol do carro que deixa a tela vermelha.
Dessa forma, o olhar e ser olhado se transforma em um tema de interesse do longa. A todo instante vemos personagens observando os outros, seja pela câmera amadora, por um ponto de vista que não sabemos quem é ou por personagens à espreita numa janela ou embaixo da cama. Só que, mais uma vez, “X” vai demonstrar consciência disso a ponto de explicitar a identificação do voyeur em diálogo, quando a personagem de Mia Goth questiona a de Jenna Ortega por a estar encarando, e completa dizendo que isso é falta de educação.
Essa não é a única fala do filme que no fundo está direcionada para nós. Mesmo quando os personagens falam sobre o filme pornô amador que estão fazendo, eles comentam sobre o público que se excita com aquilo e sente medo desse prazer sentido. Ou o cineasta amador que diz “isso é só um filme”. “X” está o tempo todo deixando claro ser um filme que se aceita como filme, confrontando mais uma vez o público por meio da autoconsciência, algo que “Pânico” já tinha feito há 26 anos, sendo até uma clara referência para o longa da A24.
O problema é que seja nesse confronto mais sutil entre o clássico e o moderno, o espectador voyeur e aquele que “participa” do filme, ou nas referências e temáticas mais claras, seja o machado rompendo a porta e o carro sendo afundado como em “O Iluminado” e “Psicose”, respectivamente, e na verbalização de temáticas por parte dos personagens, como o confronto entre o velho consevador religioso e reprimido sexualmente e o novo livre e sem medo de chocar, “X” vai pecar justamente ao não conseguir ser um filme de gênero, ficando preso apenas às referências e aos temas.
Ou seja, quando esse longa que tanto referencia o cinema e o slasher tenta ser um slasher, aquilo tudo soa anticlimático. Ao se colocar em uma posição de superioridade, do filme que analisa o cinema até com certa arrogância, “X” parece ter medo de abraçar completamente o vulgar. Até quando o sexo e as mortes aparecem, o longa faz questão de comentá-los, quase os rejeitando ou se explicando para o público.
Nesse sentido, o longa parece apegado demais à A24 e a essa baboseira de “pós-terror”, enquanto falta um pouco da falta de vergonha do cinema maneirista, que lidava com o cinema que veio antes, o estilizava e fazia comentários sobre, mas não tinha medo de sujar as mãos. Assim, obras como “Pânico” ou “Prelúdio para Matar” não deixam a referência ou autorreferência os impedir de ser um filme de gênero. Pelo contrário, entendiam que o slasher ou filme de serial killer tinha sua base na obsessão pelas mortes. Já em “X”, não falta a autoconsciência e até o exagero desses outro longas (o farol com sangue é um exemplo disso), mas, no geral, as mortes soam quase protocolares, sem alma e inventividade a ponto de o tiro de espingarda virar um recurso para acabar logo com aquilo.
Assim, “X” se mostra interessante em como lida com o olhar no cinema e confronta os cinemas clássico e moderno. Porém, o longa falha justamente quando precisa se assumir como slasher. Na busca por ser espertinho e superior, o longa mais comenta sobre o slasher do que mergulha no subgênero e em sua obsessão por expor o ato da morte como algo quase sagrado. Aqui as mortes simplesmente existem.