|Crítica| 'Agente Oculto' (2022) - Dir. Anthony & Joe Russo
Crítica por Victor Russo.
'Agente Oculto' / Netflix
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Longe de ser marcante, “Agente Oculto” não tem medo de ser um filme de gênero, apesar de impregnado por uma estética que domina o cinema hollywoodiano atual
"Agente Oculto” se une a “The Old Guard”, “Alerta Vermelho”, “ Power” e afins como produções da Netflix de alto investimento, mas que não devem durar mais do que alguns poucos dias na mente do espectador. Não que os filmes sejam necessariamente da mesma qualidade, o novo longa dos Irmãos Russo é bem superior aos seus predecessores. Mas a lógica de produção e distribuição e a estética por trás é bem semelhante.
No caso do longa dos Russos, trata-se do filme mais caro da história da plataforma, apesar de isso não ficar tão claro em tela. Isso porque é óbvio que os longas de maior orçamento da Netflix são feitos pela mesma galera dos efeitos visuais, criando uma estética bastante padronizada, sobretudo no uso da fumaça para esconder a tela verde.
Porém, a verdade é que o problema aqui se estende além das obras da Netflix, já que são poucas empresas que lidam com toda a computação gráfica de toda a Hollywood atual. Só que, fica claro que esses artistas não estão dando conta de tanta demanda, prazos tão curtos e uma remuneração aquém. O que virou (com razão) escândalo na Marvel vale como um alerta para todos os estúdios e essa lógica de produção que remete à Hollywood clássica, mas é muito menos eficiente do que no passado.
Se na Hollywood dos anos 30 aos 50 a produção era quase toda feita em estúdios e cidades cinematográficas e tal prática servia como forma de controle por parte dos estúdios (tanto do conteúdo quanto do orçamento), algo semelhante ocorre atualmente, em que grande parte dos blockbusters é filmada em tela verde (muitas vezes, em estúdio) seguindo a lógica de que a computação gráfica pode resolver tudo. E aí está a diferença entre os dois períodos, antes tínhamos um cenário e estética pensada previamente e executada nas filmagens, ainda que em ambiente “controlado”. Hoje, quase tudo é direcionado para a pós-produção, mas sem dar tempo para os artistas dos efeitos visuais, toda essa composição estética se torna padronizada, e, cada vez, mais precária (na prática, está ficando perceptível uma regressão do CGI ao invés de melhoria, ainda que a técnica e seus softwares estejam evoluindo).
E é justamente essa visão de controle dos estúdios por meio do CGI ou do “filma em tela verde que a gente ajusta na pós” que transparece nas obras já citadas da Netflix, incluindo “Agente Oculto” (e vale para uns 90% dos filmes blockbusters atuais, com algumas poucas exceções como “Top Gun Maverick”, “Atômica”, “Resgate”, da Netflix, “Mad Max: Estrada da Fúria”, as franquias “John Wick”, “007” e “Missão Impossível”, justamente com obras que fazem uso maior de coreografias e efeitos práticos). Por mais que os Irmãos Russo até tentem propor algumas escolhas estéticas, como transições entre cenas em diferentes espaços com a câmera viajando sem cortar, no geral, os principais momentos soam genéricos por ficarem a cargo dos efeitos visuais aparentes de sempre.
Isso não quer dizer que os diretores são meros fantoches (como eles são, em grande parte, quando dirigem filmes do MCU). Por trás de um visual meio precário, “Agente Oculto” é um filme de gênero bastante eficiente justamente por mergulhar de cabeça no gênero que está inserido sem uma preocupação tão grande de ser sério ou profundo. O longa nem mesmo tem medo de se usar de clichês ou uma estrutura para lá de recorrente. Pelo contrário, a obra até ironiza tudo isso em certa medida.
Ou seja, é o famoso filme que usa a espionagem apenas como contexto para criar cenas de ação grandiosas. O protagonismo volta a ser de um agente acima da média (Ryan Gosling) que tem de sobreviver ao ser colocado como alvo de uma conspiração dentro da própria CIA, até o momento em que uma outra agente capaz e justa (Ana de Armas) o ajuda a superar um exército de capangas e membros do alto escalão da Agência. Além disso, claro, a narrativa vai viajar por vários países europeus. Você provavelmente já viu outros filmes assim, pois o longa preenche quase todos os pré-requisitos de filmes de ação com espionagem à la 007 ou Missão Impossível.
A questão é justamente em como os Russos usam essa estrutura pronta para moldar o “pequeno” e o “grande” no longa, e a progressão de um para o outro. Então, a obra começa como um filme “menor” de espionagem e sobrevivência, em lugares mais contidos (exceção feita à sequência em Bangkok), para progredir rumo a sequências de ação gigantes, cheias de tiros, lutas, explosões e cidades destruídas. E está justamente aí a ironia do filme, nesse reconhecimento desse subgênero de ação e espionagem em que de espionagem não tem nada, já que tudo que esses filmes não têm é discrição, enquanto as sequências grandiosas e explosivas transbordam em tela.
Ao não ter essa pretensão tão grande pela espionagem (diferente dos filmes similares, aqui nem há reviravoltas, as cartas são postas na mesa desde o início), o filme não tenta esconder a natureza estereotípica de seus personagens. Desde o início temos tudo sobre os personagens de Gosling, de Armas, Chris Evans, Billy Bob Thorton, Jessica Henwick e Regé-Jean Page. Com exceção a um pequeno background do protagonista, o filme é totalmente claro sobre seus personagens unilaterais, revelando que sua natureza está mesmo na progressão para a ação, enquanto os atores podem brincar à vontade com construções clichês (o agente calado, o vilão fanfarrão de bigode, o ex-agente traumatizado que ama uma familiar pequena, o membro do alto escalão malvado que delega tudo e por aí vai).
Portanto, resta a “Agente Oculto” funcionar como cinema de ação, o que dá certo quando o excesso de CGI não se faz presente. As coreografias são bem pensadas até certo ponto e há uma boa progressão nos níveis de ação (veja como a sequência em Praga está sempre se alterando, do tiroteiro para escapada, perseguição, explosões e com os personagens sempre em movimento). O problema é mesmo quando boa parte dessas sequências se tornam grande demais a ponto de ficarem genéricas com o uso da fumaça para tentar (e falhar) esconder o CGI, mas que torna imperceptível também aquilo que deveríamos ver. É um fluxo de empolgação e decepção constante durante todo o longa, mas com um gosto bem menos amargo, apesar de ser também esquecível, do que seus predecessores da Netflix.