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|Crítica| 'Pleasure' (2022) - Dir. Ninja Thyberg

|Crítica| 'Pleasure' (2022) - Dir. Ninja Thyberg

Crítica por Victor Russo.

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'Pleasure' / MUBI
 
 
Título Original: Pleasure (Suécia)
Ano: 2022
Diretora: Ninja Thyberg
Elenco : Sofia Kappel, Zelda Morrison, Tee Reel, Evelyn Claire e Dana DeArmond.
Duração: 108 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Ninja Thyberg foge da armadilha do “filme sobre indústria pornográfica” ao saber o que mostrar e o que não mostrar (ou como mostrar)

Filmes específicos como “Pleasure”, que tem como base o funcionamento da indústria pornográfica, têm duas abordagens principais, ambas com um teor crítico muito forte. A primeira vai na linha do que Paul Thomas Anderson fez em seu ótimo e subestimado “Boogie Nights”, que estiliza e ironiza aquele mundo de forma caótica. A segunda, e mais comum, é a seguida por Ninja, a de ter como prioridade uma crítica aberta à misoginia, aos abusos e à desumanização/objetificação da mulher no mercado pornográfico.

Acompanhamos então uma jovem sueca que vai para Los Angeles tentar viver como atriz pornô, mas descobre uma vida muito menos idealizada do que imaginava. Assim, a diretora constrói uma narrativa que relaciona o sonho americano e sua desilusão à indústria do pornô. Ou melhor, o mercado pornográfico acaba sendo uma metáfora para os Estados Unidos, já que até é possível ter sucesso nesse lugar, desde que você seja branco, quase exclusivamente homem, e não tenha qualquer escrúpulo.

Porém, é bastante comum obras que colocam o seu tema em primeiro plano caírem na armadilha de fazer exatamente aquilo que pretendem criticar. Isso aconteceu recentemente com o longa francês da Netflix “Lindinhas”, que ao questionar a perda da infância e sexualização e sensualização dessas crianças na juventude, o longa expõe aquelas meninas com uma câmera estilizada que as exibe quase como produtos.

Entretanto, Ninja vai em um caminho contrário e encontra um equilíbrio muito grande entre o mostrar, não mostrar e como mostrar essas cenas em que vemos gravações dos filmes pornográficos envolvendo a protagonista. Ao mesmo tempo em que a diretora não mostra os atos ou a romantização/erotização deles, já que parte da crítica do filme também se relaciona com quem consome pornografia e o longa não quer ser um prato cheio para essas pessoas, a obra não deixa de mostrar o horror que é aquela situação para as personagens femininas, sobretudo em produções só com homens presentes no set.

Mas, ao cortar frequentemente, mostrar expressões de dor, angústia e a tentativa de levar o pensamento para longe daquele momento horrível, Ninja também tem o cuidado de não fazer de sua obra uma mera tortura ao espectador, um caminho fácil constantemente adotado por filmes que desejam criticar algo especificamente e o fazem pelo choque visual e o incomodo, sob a desculpa de que só assim aquela situação seria realista ou teria “o impacto necessário”. A cineasta sueca rejeita essa lógica e adota uma direção muito mais empática com a personagem, muitas vezes acelerando aquela situação e escondendo parte do horror.

Ao mesmo tempo, há um contraste interessante em como são abordadas as cenas da vida daquela protagonista,a relação com as amigas ou a intimidade dela naquela cidade desconhecida, quase sempre com uma luz mais natural, muitas vezes no fim de tarde e a busca por uma solenidade ou fuga, em relação às filmagens que aquela personagem vai passar. Nas gravações, é criada uma falsa ideia de idealização, com luzes brancas, um design de produção todo perfeitinho, com cores claras ou chamativas (como rosa, azul e vermelho). É pelo cenário e a primeira relação com os membros da produção que a diretora vai construir essa falsa camada de tranquilidade, quase como uma máscara de normalidade antes da atriz entrar no horror daquele mundo.

Talvez a maior fragilidade do longa vai aparecer justamente em como, ao sair desses momentos mais angustiantes, Ninja parece perder o cuidado, ao narrar uma história batida de forma quase protocolar. Entre estilizações e músicas para transições, a decupagem que é o grande mérito das cenas na indústria pornográfica se transforma em uma espécie de exposição sem palavras. Isso fica claro, por exemplo, em como, após a transformação e adequação à indústria por parte da protagonista, o longa faz questão de reprisar uma cena sob uma nova ótica, a fim de explicitar a situação psicológica da personagem e sua perda por meio de um olhar que se cruza com alguém que ela ama. O que até tem um forte valor sentimental acaba sendo expressado cinematograficamente de forma até meio tola.

Assim, “Pleasure” é um duro retrato sobre uma indústria misógina que exibe as mulheres para o prazer dos homens (algo que o cinema fez por muitas décadas), mas escapa da armadilha de ser o que critica ao ter uma decupagem consciente do que vai ser mostrado ou não graficamente.

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