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|Crítica| 'Ilusões Perdidas' (2021) - Dir. Xavier Giannoli

|Crítica| 'Ilusões Perdidas' (2021) - Dir. Xavier Giannoli

Crítica por Victor Russo.

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'Ilusões Perdidas' / Califórnia Filmes
 
Título Original: Illusions Perdues (França)
Ano: 2021
Diretor: Xavier Giannoli
Elenco : Benjamin Voisin, Cécile de France, Vincent Lacoste, Xavier Dolan, Jeanne Balibar e André Marcon.
Duração: 149 min.
Nota: 3,5/5,0

 

“Ilusões Perdidas” não esconde sua veia literária, mas o faz sob uma ótica bastante cinematográfica

Vencedor de 7 Césars, o novo filme de Xavier Giannoli tem a difícil missão de adaptar uma das mais importantes obras da carreira do escritor Honoré de Balzac, um dos grandes franceses da história. Então, ao mesmo tempo que o cineasta se usa bastante de uma narração mais literária, ele não deixa de inseri-la em uma lógica cinematográfica, fazendo da imagem o seu jogo de encenação entre aquelas personalidades e o confronto entre sociedades.

A primeira escolha mais ousada do longa já aparece em como deseja adaptar a obra de Balzac. É muito comum filmes adaptados de grandes romances ou peças sentirem uma necessidade de se manterem fiéis ao original. Em parte, até é isso que grande parte do público espera, mas, na maioria das vezes, tal escolha resulta em um filme meio sem identidade, que só encena aquilo que já estava na obra original.

Giannoli, então, não tem medo de fazer diversas alterações, cortar personagens ou condensar dois personagens em apenas um, mudar direcionamentos do texto, entre outros elementos de adaptação. Tudo isso, claro, para tornar a obra mais cinematográfica e, ao mesmo tempo, inserir aquele mundo e visão do século XIX em uma conversa direta com a sociedade atual.

Ainda que sem essa intenção, o filme poderia ser visto facilmente, por exemplo, como a história de uma pessoa do interior de algum estado do nordeste que anos atrás veio à São Paulo para tentar uma vida melhor. Mas foi confrontado por uma sociedade cruel e fechada, devastando os sonhos de mudança desse jovem e obrigando-o a retornar para casa. Tal narrativa tem uma certa universalidade, e é justamente aí que Giannoli encontra a sua essência.

Acompanhamos então o jovem Lucien, talentoso, tímido e ambicioso (tudo isso é perceptível na atuação de Benjamin Voisin). Ele é obrigado a se adaptar a uma elite parisiense para poder sobreviver e levar o seu potencial ao máximo. Entretanto, essas mesmas relações o levam a um jogo de disputas e o provocam a se corromper para poder ser bem sucedido. E é justamente aí que mora essa armadilha, quanto mais Lucien cresce e se sente parte daquele mundo, mais o grande tombo está sendo articulado, já que ele nunca será aceito naquela sociedade. É uma elite que vende a falsa ilusão de permissibilidade, mas, no fundo, só existe para reforçar um caráter quase monárquico e fechado, sob uma falsa fachada de liberdade.

E tudo isso é muito bem encenado por Giannoli, dos bailes de luxo até os momentos mais íntimos em casa e no trabalho. Os olhares que no começo julgam e querem expulsar Lucien, depois parecem convidá-lo para esse mundo. Enquanto, Giannoli se usa por exemplo de uma narração em off quase onisciente, muito comum na literatura, ele cria todo esse jogo de sugestão e poder por meio de closes e da montagem. 

Esses momentos parecem ser contrastados com as cenas de sexo, que seria o auge da liberade vivida por Lucien, quando ele se mostra capaz de negar um pouco da máscara social e se revelar para a sua amada, que não faz parte daquela sociedade, que o protagonista nem percebe odiar, enquanto tenta se sentir parte.

E é por meio de todo esse jogo mais sugestivo que “Ilusões Perdidas” deixa o espectador imerso por quase duas horas e meia, em uma narrativa de ascensão e queda que interliga um passado aparentemente distante a uma realidade quase universal, não renegando Balzac e sua escrita, mas construindo sua própria visão daquela obra tão importante por meio de uma encenação que só o cinema permitiria.

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