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|Crítica| 'Cidade Perdida' (2022) - Dir. Adam & Aaron Nee

|Crítica| 'Cidade Perdida' (2022) - Dir. Adam & Aaron Nee

Crítica por Victor Russo.

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'Cidade Perdida' / Paramount Pictures

 
Título Original: The Lost City (EUA)
Ano: 2022
Diretor: Adam Nee & Aaron Nee
Elenco : Sandra Bullock, Channing Tatum, Daniel Radcliffe, Brad Pitt e Da'Vine Joy Randolph.
Duração: 112 min.
Nota: 3,0/5,0
 

“Cidade Perdida” se reveste de caça ao tesouro, mas no fundo é uma aventura erótica sobre desejos reprimidos

Não é novidade que a indústria hollywoodiana privilegia muito mais o cinema como indústria do que como arte. Desde que se estabeleceu de tal forma, entre as décadas de 1920 e 30, sempre houve uma busca de retratar no cinema o exemplo do que deveria ser o cidadão americano. Por isso, por mais de três décadas, uma censura silenciosa (chamada “Código Hays”) impedia que as obras retratassem alguns elementos vistos como profanos ou antiamericanos, como é o caso do sexo e da nudez.

Isso só foi realmente mudar no final da década de 1960, com a contracultura e um movimento chamado Nova Hollywood, em que diretores autorais e talentosos, como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e Brian De Palma, aproveitaram da crise nos estúdios para dominar a produção de filmes e transgredir essas “regras” do cinema clássico. Assim, sexo, nudez, sangue e caráter duvidoso se tornaram a essência do cinema hollywoodiano dos anos 1970. Só que tudo isso voltou a mudar quando os estúdios retomaram o controle a partir dos anos 1980.

Desde então, na busca por sempre lucrar com o maior público possível, Hollywood estabeleceu quase como regra a classificação indicativa livre ou de 13 anos, o sexo foi praticamente abolido, o sangue pouco aparece, palavrões são raros e os filmes devem ser engraçadinhos e “lógicos”. Tudo isso, serviu de base para o padrão de maior sucesso nos últimos anos: a fórmula Marvel.

Entretanto, vez ou outra, alguns filmes de maior orçamento conseguem fugir dessa lógica, seja de uma forma mais evidente ou às escondidas, como é o caso de “Cidade Perdida”. Como o cinema sempre fez em países que viviam regimes autoritários, o longa dos irmãos Aaron e Adam Nee dribla a “censura” do puritanismo seletivo para falar sobre desejos sexuais reprimidos na forma de aventura escapista.

Somos apresentados então a uma caça ao tesouro acidental, em que uma escritora com mais de cinquenta anos e um modelo millennial (Channing Tatum constrói um personagem mais jovem do que sua idade real) começam a viver a aventura que só conheciam pelos livros escritos por ela. Por mais que esse subtexto mais evidente, de Hollywood satirizando a si mesmo, seja bem precário, até porque o filme na prática segue um certo padrão formal que inicialmente critica, tudo se torna mais interessante quando o sexo toma conta da tela, ainda que apenas na sugestão.

Ao rejeitar logo de cara o personagem de Brad Pitt (com idade bem mais próxima de Sandra Bullock) como par romântico da protagonista, o longa deixa claro que seu foco está muito mais no desejo reprimido, aquele que os personagens ignoram por serem julgados pelos olhares sociais. O jovem de trinta e poucos anos não consegue esconder a atração pela mulher mais velha e vice-versa. Mais do que atração, é tesão mesmo.

Isso fica evidente em como esses dois personagens interagem. As atuações de Bullock e Tatum fazem parecer com maestria que esses dois desejam transar o tempo todo, mas são impedidos pela aventura perigosa que vivem. É quase como se o filme tivesse falando para gente que o subtexto precisa ficar escondido, enquanto às claras só pode aparecer aquilo que é mais comercial: aventura, ação, comédia etc.

Mais claro ainda a presença dessa subtexto e a forma como o filme não pode mostrá-lo está na cena em que a personagem de Bullock se impressiona com o de Tatum pelado, a atuação demonstra todo o tesão ali sentido por ela, mas o filme esconde o que ela está vendo, porque mostrar seria “indecente” e aumentaria a classificação indicativa. Por outro lado, Tatum reforça na atuação a ironia do filme aos millennials, que guardam os seus desejos sexuais por mulheres mais velhas por pura insegurança e medo de julgamentos alheios. 

Tudo bem, não chega a ser completamente escondido o lado mais sexual do longa. A própria protagonista e o texto deixam claro que aquela personagem tem essa tendência ao levar suas aventuras a um lado mais erótico (algo semelhante ao que prersonagem vai sentir pelo o modelo). Mas também está bem longe de ser retratado explicitamente como Paul Verhoeven ou algum diretor francês narraria a mesma história.

No fim das contas, podemos até nos perguntar se toda essa aventura não foi apenas um livro escrito por essa protagonista, em que ela finalmente pudesse liberar todos os seus desejos sexuais e não só aqueles mais comerciais dos livros anteriores.

Tirando isso, em primeiro plano, temos uma aventura simples, mas bastante divertida, que funciona principalmente quando se apoia na comédia screwball. Uma cena que representa bem isso é quando os personagens tentam justificar uma ação mais macabra que acabaram de cometer com uma série de frases rápidas e situacionalmente engraçadas. No fundo, não deixa de ser legal ver a volta dos filmes de caça ao tesouro à evidência dos estúdios. E, nesse sentido, os irmãos Nee mergulham de cabeça no que é fazer um filme de gênero. Melhor ainda quando uma obra dessas ousa “infringir as regras” silenciosamente.

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