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|Crítica| 'A Pior Pessoa do Mundo' (2022) - Dir. Joachim Trier

|Crítica| 'A Pior Pessoa do Mundo' (2022) - Dir. Joachim Trier

Crítica por Victor Russo.

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'A Pior Pessoa do Mundo' / Diamond Films

 

Título Original: Verdens Verste Menneske (Noruega)
Ano: 2022
Diretor: Joachim Trier
Elenco (Vozes) : Renate Reinsve, Anders Danielsen Lie, Herbert Nordrum e Hans Olav Brenner.
Duração: 128 min.
Nota: 4,5/5,0

 

Em “A Pior Pessoa do Mundo”, Joachim Trier rejeita dogmas sociais e valoriza a liberdade da indecisão e do desconhecimento.

 

Vivemos em uma sociedade de certezas e sentimentos definidos. Somos desde cedo lembrados constantemente que o ideal é casar apenas uma vez e ter filhos (mas não muitos). Que devemos saber ao fim da escola qual carreira vamos seguir e, de preferência, manter-se no mesmo emprego. Nossos gostos e hobbies são tratados quase como a cor do olho, algo imutável. Temos que ser sempre fortes e decididos. Até porque, as gerações passadas já decidiram para gente o que é certo e errado, qual caminho devemos seguir e como devemos agir sempre.

Eis então que Trier inverte essa lógica em seu novo longa, o terceiro e melhor da agora ótima “trilogia Oslo”. O cineasta, que também é um dos roteiristas do filme, segue uma lógica muito própria da ciência e dos grandes descobridores do passado. O que nos trouxe até o desenvolvimento atual não foi o comodismo de achar que sabemos tudo, mas o exato oposto. Só sabemos hoje que a Terra gira em torno do Sol, que a Terra é uma esfera ou que existem as Américas, só para citar três exemplos mais famosos, porque alguém contestou uma afirmação tida como absoluta e ousou testar o contrário. Todos os avanços da ciência até hoje partem dessa simples ideia de que não sabemos tudo e estamos sempre descobrindo coisas novas. Só assim a mudança e o avanço são possíveis.

Dessa forma, Julie surge como essa figura transgressora ao que se espera de uma mulher por parte da sociedade e carrega todos os dilemas de uma geração que se permitiu aceitar que não sabe tudo e que não vai ficar presa àquilo que a sociedade definiu como o correto a ser seguido. Ela é a figura da liberdade a ser buscada por meio de tentativas e de uma infinita incerteza dos seus gostos, sempre mutáveis, e do seu futuro, que passa longe de uma percepção de destino definido e muda constantemente. 

Tais elementos vão se fazer bastante presentes na atuação da espetacular Renate Reinsve, que demonstra segurança na incerteza. É quase como se ela tivesse total noção de quem é e das dúvidas infinitas que pairam em sua cabeça, tudo isso por meio de um olhar que demonstra maturidade e busca por liberdade ao mesmo tempo. 

O mesmo vale para a forma como Trier decupa as cenas. Sem nunca julgar a personagem (provando que o título não passa de uma ironia provocativa àqueles que a julgam dessa forma e ao próprio medo da personagem de ser uma pessoa ruim por não se encaixar nos padrões a sua volta), o cineasta busca na escolha dos planos a mesma liberdade que a protagonista traz para a sua vida. É como se o filme não seguisse uma linha formal tão definida e estivesse sempre mudando a cada um dos 14 capítulos.

Talvez a única escolha de decupagem que se estenda por todo o longa é a constante câmera próxima a protagonista, seja em um primeiro plano frontal ou a câmera na nuca, filmando-a por trás. Tais escolhas ajudam a criar um suspense para com o futuro próximo dessa personagem, como se fôssemos convidados a conhecer cada nova descoberta de sua vida junto com ela. 

No mais, ele passa de planos mais estáticos quando a vida dela parece mais definida ao lado de Aksel (vivido pelo sempre ótimo Anders Danielsen Lie), para uma câmera na mão mais nervosa em momentos de indecisão, para planos mais esticados e contemplativos quando Julie parece fazer uma descoberta nova que a agrada e liberta. O mesmo vale para a iluminação e os enquadramentos, que se alteram de acordo com o sentimento da personagem. Se em muitos momentos o plano é aberto, como na emblemática cena da cidade congelada, há outros em que mal vemos a personagem, que é posta em um canto escuro em meio a uma conversa na mesa de jantar, enquanto os outros três personagens ali sempre aparecem mais iluminados.

Trier define também muito bem o espaço dramático em que a personagem vai estar inserida. O longa não faz parte da trilogia Oslo à toa, mas a cidade surge como uma força opressora a sua liberdade e bem estar, seja em planos cheios de pessoas e objetos, que parecem sufocá-la, ou naqueles mais abertos e pouco povoados, que ora a colocam em uma posição de solidão, ora a aliviam com a liberdade.

Assim, “A Pior Pessoa do Mundo” joga nos ombros de Reinsve todo o peso da liberdade e da busca por novas descobertas, enquanto os demais personagens se tornam empecilhos para esse autoconhecimento, mesmo que esses, na maioria das vezes, sejam pessoas boas que realmente gostam da protagonista. O problema é que a personagem está disposta a constantemente mudar e testar limites, como no capítulo que brinca com o que é ou não traição, e isso não será aceito de bom gosto por aqueles que já se adequaram a uma vida cômoda e segura. 

No fundo, Trier a enxerga como o gato das histórias de Aksel, alguém selvagem que é obrigado a viver em um mundo que o domestica. Tudo isso, sem nunca ter a pretensão de buscar respostas, mas apenas ser livre para experimentar, mudar e entender que tudo bem ser indeciso e não fazer planos.

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