|Crítica| 'Drive My Car' (2022) - Dir. Ryusuke Hamaguchi
Crítica por Victor Russo.
'Drive My Car' / MUBI |
Em Drive My Car, Ryusuke Hamaguchi faz de seus personagens estátuas de um mundo em movimento.
Vencedor do Prêmio de Melhor Roteiro em Cannes, indicado a quatro Oscars e o segundo excelente filme do diretor no ano (que fez também o tão bom quanto “Roda do Destino”), “Drive My Car” centra sua narrativa em torno do luto e das várias possibilidades de seguir (ou não) em frente. De alguma forma, todos os personagens perderam alguém, seja a mãe em um desastre natural, a esposa por um derrame repentino, o filho ainda antes de nascer ou a amante por quem tinha carinho.
Só que, ao contrário de obras ocidentais, que geralmente levam os personagens ao limite por meio de atuações mais expansivas, Hamaguchi explora aqui a essência do drama japonês e de uma sociedade que lida com as suas emoções de forma mais introspectiva (o que já fica claro desde o início quando Yusuke mal reage à traição da esposa). Apesar das três horas de filme, todas as escolhas formais do diretor estão centradas em um certo minimalismo, desde a pouca movimentação das personagens em cena, os diálogos desapressados, uma decupagem que preza por planos de longa duração, mas com pouquíssimos movimentos de câmera e um ambiente que por um lado oprime as personagens, mas por outro é calcado em um total naturalismo.
E é justamente por meio dessa relação entre espaço e personagens que Drive My Car enriquece a sua temática. Ao trazer o carro como espaço central e que retorna constantemente à narrativa, somos levados a observar diálogos em que os personagens ficam imóveis, enquanto o ambiente está mudando no fundo. São pessoas presas em um passado não superado por completo e que, por isso, são incapazes de seguirem com suas vidas, o que ocorre principalmente com Yusuke e Misaki. Não à toa, são os dois personagens mais ligados ao carro (que é antigo, mais uma menção ao passado).
No caso de Yusuke, essa estabilidade é ainda maior e anterior à narrativa que estamos presenciando, já que o personagem, antes mesmo da perda da esposa, tinha perdido outro ente querido e com medo de a mulher que amava o deixasse, passou a buscar uma estabilidade cotidiana e emocional. É quase como se ele estivesse interpretando a própria vida, algo que nos leva mais uma vez ao carro, onde nos únicos momentos em que ele podia ficar sozinho, o personagem opta por atuar com um texto que envolve lembranças de sua esposa. Algo semelhante ocorre na relação entre Misaki e o carro, já que dirigir para a personagem nada mais é do que uma fuga da realidade e, ao mesmo tempo, uma lembrança da sua mãe.
A própria escolha de centrar Hiroshima como destino de encontro desses personagens soa como um retorno a um passado trágico que precisa ser superado.
'Drive My Car' / MUBI |
(SPOILERS A PARTIR DAQUI)
Por isso, o que vamos ver é justamente como cada um vai conseguir confrontar essa perda, seja pela entrada como atriz na peça de teatro, a aceitação de uma responsabilidade ou a violência como externalização de sentimentos repreendidos. É interessante observar que mais uma vez aqui Yusuke retorna à atuação como liberdade, enquanto Misaki volta a sua atenção para o dirigir. É quase como se suas paixões continuassem as mesmas, os fragmentos do passado ainda existissem, mas agora fossem finalmente livres para vivê-las olhando para frente.Como no simbólico plano final de Misaki avistando a estrada adiante ou na atuação sufocante de Yusuke, que finalmente volta aos palcos por completo e deixa a posição de diretor da peça, trocando uma espécie de voyeurismo julgativo por uma entrega de corpo e alma à sua maior paixão (que lembra também os melhores momentos que viveu com a esposa).